quarta-feira, 15 de julho de 2009

Spanglish - motivo de piadas do passado, nova língua ganha status de assunto sério

In un placete de La Mancha of which nombre no quiero remembrearme, vivía, not so long ago, uno de esos gentlemen who always tienen una lanza in the rack, una buckler antigua, a skinny caballo y un grayhound para el chase. Quem é familiarizado com os livros sabe tratar-se de um trecho de um dos maiores clássicos da literatura mundial: Don Quijote de La Mancha.
Êpa, espera aí, mas em que raios de língua está traduzido Cervantes? Um insulto a língua espanhola? Ou uma maneira rápida e eficiente de comunicação? E é aqui que começa a confusão.
As raízes do que hoje se conhece como Spanglish pode ser tão antiga quanto o Tratado de Guadalupe Hidalgo, em 1848, quando o México perdeu quase 2/3 de seu território para os Estados Unidos - detalhe importante: a população se foi com as terras. Quem conta essa história, baseada em pesquisas a respeito do assunto, é o professor Ilán Stavans em seu livro Spanglish: The Making of a New American Language, ainda sem tradução no Brasil. Stavans é professor do primeiro curso universitário de Spanglish na Amhearst University, em Massachusetts.
O Spanglish é uma mistura do espanhol com o inglês, como já se deve ter percebido. Entretanto, o mais curioso da história é que o que parece uma combinação aleatória de palavras escolhidas ao acaso, nos dois idiomas, é, na verdade, uma estratégia de comunicação. Quando um latino, morador do Bronx, diz: 'Te llamo para atrás' no lugar de 'I call you back' (numa tradução literal!) tem certeza de que será compreendido e isso, por si só, já é um grande indício de que a comunicação ocorreu sem ruído. Ou seja, para os participantes do processo de comunicação não há o estranhamento por conta da mistura de palavras em espanhol e inglês.
Em comunicação, chamamos esse processo de code-switch, ou troca de códigos. A troca de códigos, nesse caso, ocorre entre dois idiomas distintos, mas que fazem parte da mesma 'família', ou seja, a dos códigos linguísticos. É importante frisar que fazemos o code-switch constantemente e esse é um dos motivos que fazem com que a comunicação seja um processo fundamentalmente semiótico. Explico.
A capacidade humana de significar, de dar um sentido às coisas não é limitada pelos códigos, mas, sim, influenciada por eles - já que códigos são meios de transporte nos quais as mensagens vão e vem. A mensagem, que viaja para lá e para cá, seja em forma de palavras ou de imagens ou de fenômenos, não importa sua natureza, é transportada e transformada pelos códigos, mas o passo definitivo para sua compreensão é a interpretação e posterior significação que o receptor conferirá a ela.
No caso do Spanglish, quando um falante mistura os códigos linguísticos e tem certeza de que será entendido, ele conta com um outro fator que é o prévio conhecimento (ou será reconhecimento?) do código cultural que o aproxima do receptor da mensagem. Ser latino nos Estados Unidos significa muitas coisas que esses dois interlocutores simplesmente sabem. É o tal código não-escrito. A partir daí surgem mil e uma possibilidades não só de criação de novos símbolos (palavras incluídas!), como de novas significações.
Aliás, outra estratégia dos falantes do Spanglish é justamente criar novas palavras, como: rufo (que vem de roof, teto, em inglês), carpeta (carpet, em inglês e folder, em espanhol), ou parquear ( de to park, em inglês, quando o correto, em espanhol é estacionar). A lista de palavras é imensa e muito curiosa.
Tenho muito a dizer ainda sobre o Spanglish e também sobre novas línguas que têm surgido nesses tempos de globalização e internet, mas, hoje, fico por aqui.

2 comentários:

Denise Ehlers disse...

Patricia, concordo com toda a sua explicacao, mas, eu fico super incomodada ao ouvir estas expressoes em Spanglish. E as expressoes em Portenglish? Let me know eh um exemplo: os brasileiros no exterior adoram falar "Deixa-me saber" como se tivesse o mesmo sentido da expressao em ingles. Alem deste, tem PRINTAR, PARQUEAR, APLICAR (no sentido de inscrever-se - APPLY), etc. Acho que, com isso, acabamos nao falando bem nem uma lingua, nem outra.

patriciafanaya disse...

Denise,
No fundo, no fundo, temos uma tendência a ser conservadores em relação ao nosso idioma nativo. Até mesmo as diferenças regionais e as gírias, em nossa própria língua, nos ferem os ouvidos.
Não pense que a mim, que me considero muito aberta às novidades e curiosa na mesma proporção, o Spanglish não causa estranheza. Causa sim, e muita. Entretanto, não podemos nem deixar de lado e nem minimizar um fenômeno de tamanho impacto e proporção. Como profissional de comunicação que sou, tenho a obrigação (mas nesse caso também a vontade)de tentar estudar e entender melhor essas novas linguagens e línguas que parecem se multiplicar exponencialmente nesses tempos de internet e convergência dos meios de comunicação. Talvez, em um tempo não muito distante, a tudo o que conhecemos até então em termos de línguas e linguagens se juntem tantas outras coisas que nem sequer sabíamos ser possível existir. Pense nas línguas da internet - sinais gráficos totalmente resignificados, transformados em wikis que se misturam a palavras entrecortadas, abreviadas (alías, já escrevi aqui sobre isso).
Por se tratarem de organismos vivos, as línguas não estão imunes à passagem do tempo e a todas as consequências que isso traz. Junte-se a isso o fato de a imaginação e a inventividade humanas não terem limites e está criado o cenário perfeito para as transformações acontecerem.
Centenas e centenas de palavras que usamos, atualmente, no Português, vieram de outros idiomas e tiveram os significados totalmente alterados pelo tempo e pelo uso- e isso é comum a todas as línguas.
Não podemos esquecer de considerar que foi o latim, em sua forma popular, alterada,deturpada e grosseira frente à língua falada em Roma que tornou-se a mãe de tantas línguas românticas.
Obrigada pelo comentário.Suas contribuições serão sempre muito bem vindas.