Fonte: www.estadao.com.br
Aos 4 anos, Ethienne decidiu: é palmeirense. O irmão mais velho, Christopher, de quase 6 anos, é são-paulino convicto. Consenso mesmo só na seleção. Eles respondem em um português claro que é o Brasil. Mudam de assunto e seguem a conversar em inglês com o pai, Paul Groom, sobre o desenho sensação do momento, Ben 10. E falam em francês para a mãe, Dominique, sobre o programa infantil Cocoricó. Essa mistura de culturas e idiomas é o que configura uma típica família com Third Culture Kids (TCKs, crianças de uma terceira cultura, na sigla em inglês). Nesse caso, pai inglês, mãe francesa e filhos brasileiros, mas trilíngues.
A expressão TCK foi criada há 40 anos por Ruth Hill Useem, estudiosa de crianças americanas que viviam na Índia. "São pessoas que passaram a maior parte da infância e adolescência longe da cultura de seus pais. Um TCK constrói relações com várias culturas, embora não tenha ligação forte com nenhuma", diz a definição do site TCK World, um dos vários que reúnem jovens com esse perfil pela África, Ásia, Europa e América. Com o crescimento econômico, o Brasil entrou nessa rota de expatriados.
Paul, consultor financeiro, conheceu a executiva Dominique no Rio, em 1999, quando visitavam o País a negócios. O inglês já era pai de outros três filhos, que moram nos Estados Unidos. Ele também tem cidadania americana. Por isso, os filhos com Dominique têm nada menos do que quatro nacionalidades. "O custo para manter tantos passaportes é altíssimo", diverte-se Paul.
As despesas com a vida internacional vão além. Só neste ano, a família Groom já viajou para o exterior cinco vezes. Três para os EUA e duas para a França, onde os meninos passam o tempo com os avós maternos e primos, familiarizando-se com a cultura da mãe e treinando o francês, que ambos falam sem sotaque. "Temos obrigação de ensiná-los sobre as características de nossos países."
Estudiosos dizem que, por um lado, os TCKs têm a vantagem de falar vários idiomas, conhecer diversas culturas e se adaptar facilmente a novos ambientes, o que ajuda na carreira profissional. Por outro, sofrem com a falta de raiz, com as dificuldades de ter de fazer novos amigos sempre e de não ter um lugar que possam chamar de casa, dizem David Pollock e Ruth Van Reken (ela própria uma TCK), autores do livro Third Culture Kids: The Experience of Growing Up Among Worlds.
Para amenizar alguns efeitos negativos, muitos pais procuram escolas internacionais. A francesa Isabelle Stalker e seu marido americano, Jason Stalker, executivo de multinacional, fizeram essa opção. Matricularam Priscilla, de 8 anos, e Allan, de 5, ambos brasileiros, em uma escola americana, a Chapel School, que tem 700 alunos de 30 nacionalidades diferentes. "A escola internacional é um lugar de acolhimento para TCKs", diz Isabelle, professora de francês, que dá como certa uma nova mudança de país dentro de três anos. "Allan é um garoto mais internacional, por ser mais novo. Priscilla se sente brasileira acima de tudo."
"Os TCKs são as crianças do futuro, porque falam vários idiomas e entendem outras culturas", diz Isabelle. O diretor da Chapel School, John Ciallelo, concorda. "TCKs veem o mundo com uma perspectiva diferente, mais ampla. E, de certa forma, todas as crianças estão se tornando TCKs por conta dos avanços tecnológicos que as colocam em contato com o mundo inteiro."
Kelly Piquet, filha do tricampeão mundial de Fórmula 1, Nelson Piquet, e de uma holandesa, também é TCK. Ela cresceu entre Monte Carlo, Oxford e Brasília e hoje faz universidade em Nova York. "Eu me sinto em casa quando estou na Holanda. Mas também sinto falta do Brasil e de Mônaco", diz a estudante de Relações Internacionais, que foi alfabetizada em francês.
DE LUGAR NENHUM
O Departamento de Estado dos EUA, com funcionários deslocados para outros países e casados com pessoas de outras nacionalidades, criou uma página na internet sobre crianças de terceira cultura para orientar os pais a criar os filhos. "TCKs tendem a ter mais em comum com seus pares do que com os que não tiveram experiências internacionais", diz o Departamento de Estado, acrescentando que "eles demoram para estabelecer uma identidade".
O filho de um diplomata americano, mantido anônimo pelo Departamento de Estado, escreveu em um artigo que se tornou uma espécie de "tratado dos TCKs", que eles cresceram "sem serem locais" de nenhum lugar. "Pertencemos a uma terceira cultura."
Aiza Blinder, filha do jornalista brasileiro Caio Blinder com uma filipina, é outro exemplo. Em entrevista ao Estado, apesar de fluente em português, pediu para responder às perguntas em inglês porque se expressa melhor nessa língua. "Tenho a vantagem de viver em New Jersey, onde muitas pessoas são como eu", afirma ela, que viaja todas as férias para o Brasil. "Hoje, com o Facebook, consigo manter minhas amizades em outras partes do mundo."
"Quando se é hóspede em um país, não há espaço para arrogância ou para achar que o seu país é melhor", diz Olivier Weber, alto executivo suíço casado com uma dominicana, e que mora no Brasil. Ele tem dois filhos, Alexander, dominicano, e Jessica, brasileira.
Mãe de uma criança de terceira cultura, Paula Homor resolveu lançar um blog bilíngue para ajudar os pais estrangeiros que criam filhos em Nova York. Ela é brasileira, o marido austríaco e teme que a filha, hoje com 2 anos, não escreva bem em nenhum idioma.
John Ciallelo, da Chapel School, admite que o aprendizado de muitas línguas pode ser difícil e frustrante. Mas lembra que crianças assimilam novos idiomas rapidamente. "Além disso, um TCK tem outras facilidades, como sua sociabilidade." Para não haver dúvidas das habilidades de um TCK, basta lembrar que o presidente dos EUA, Barack Obama, é nascido no Havaí, filho de um queniano com uma americana.
domingo, 25 de outubro de 2009
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